Nascimento em Massapê (Ceará) - Eu me chamo Francisco Ogier de Sousa. Nasci em Massapê, no dia 9 de agosto de 1944. Sou filho de José Brasil de Sousa e de Maria da Conceição Brasil. Meu pai nasceu em 1917, em Massapê (CE), e faleceu em 2000, em Teresina. Minha mãe nasceu em 1932, também em Massapê, e faleceu em 2003, também em Teresina. Meu pai e minha mãe tiveram sete filhos: Osmarina, Ogier, Ursula, José (que faleceu com um ano de idade apenas), Maria de Lourdes, Jarina e Antônio.
Filmes de capa e espada - Desde menino, eu adorava assistir aos filmes que mostravam os castelos medievais. Minha mãe me dizia que, quando eu pequeninho, para comer, ela tinha que amassar a comida com as mãos, fazendo torres de castelo ou algo parecido, e dizer que aquela comida tinha sido feita especialmente para mim por uma rainha muito boa. Eu vivia desenhando castelo. Tudo para mim era visão de castelo. Eu fui criado lendo os romances de capa e espada, que embalaram a vida de muitos adolescentes do meu tempo. Meus heróis preferidos eram Ivanhoé (foto) e Robin Hood. O primeiro, pela vivência nos castelos da Idade Média. E o segundo, pela liberdade de viver na floresta e lutar contra a exploração de um rei que massacrava o seu povo, pobre e explorado como o meu pai.
O sonho do meu pai - Meu pai viveu a vida toda querendo ser um grande comerciante, mas nunca deu sorte em seus negócios. Dizem que o comércio nasceu para todo mundo, mas nem todo mundo nasceu para o comércio. O que o meu pai montava, dois ou três meses quebrava e ele tinha que recomeçar do zero. Porém, dia nenhum eu o vi reclamar de nada. Estava sempre alegre e disposto a seguir adiante com a mesma esperança de antes. O meu tio Raimundo Sabino fez dele sócio numa padaria em Massapê. Não demorou muito a padaria quebrou. Sem se dar por vencido, montou um comerciozinho no mercado central da cidade. Também quebrou. Um dia a sorte sorriu para o meu pai. Durante os sete dias da semana, ele ganhou no jogo do bicho. Ele quase quebrou os banqueiros de Massapê e de Sobral. Mas, como alegria de pobre dura pouco, o dinheiro que ele ganhou, confiou a um amigo de Fortaleza, que lhe passou a perna. Foi furtado no que tinha ganhado e mais em algumas economias.
Em Sobral - Meu pai tinha uma grande amizade com os Pontes, de Sobral. Desde quando meu pai era menino que os políticos de Massapê eram os Pontes. Mandavam na política da cidade, juntamente com os Sabóias. Por conta da amizade com os Pontes, ele foi para Sobral, tentar a vida lá. Montou uma banca no mercado central da cidade, mas não durou muito, quebrou. Foi ser ambulante. Passou a vender frutas de casa em casa. Estava há dois anos nessa vida quando o meu tio Raimundo Sabino, que havia se mudado para Teresina e tinha uma banca no mercado central, o chamou para trabalhar com ele.
Em Teresina - O ano era de 1953. Meu pai veio para Teresina. Veio sozinho. Meu tio Raimundo Sabino arrumou um lugar para meu pai vender calçados no mercado central. Nesse tempo, eram poucas as bancas existentes no mercado central. Eram no máximo umas oito bancas. A banca do meu tio era uma das maiores e mais sortidas. Ele comprou um monte de sapatos e sandálias e deu para o meu pai vender, com o lucro dividido meio a meio. Um ano depois, meu pai retornou a Massapê e disse que estava ali para me levar para Teresina. Queria que eu o ajudasse na sua banquinha. Foi um chororô muito grande em casa, principalmente por parte dos meus tios, uma vez que eu era muito amado por eles. Mas, como era o desejo de meu pai, todos concordaram. Lembro que a banca do meu pai ficava perto de onde hoje é o Museu do Piauí. Eu já estava com 12 anos de idade e ia muito lá ajuda-lo a vender as mercadorias dele. Eu também ajudava muito o meu tio na banca dele, a troco de nada. Lembro-me ainda que a grande reforma do mercado central se deu na administração do prefeito Agenor Barbosa de Almeida, um dos maiores que eu conheci. Seis meses depois, meu pai retorna mais uma vez a Massapê para buscar o restante da família. Vieram minha mãe e os meus irmãos. Tudo ia bem, mas mais uma vez me pai quebrou. Meu pai passou, então, a vender óleo numa bicicleta, tendo por lucro, no dinheiro de hoje, 2 reais por dia. Minha mãe ajudava nas despesas fazendo chapéu de palha. A vida em casa era dura, muito sofrida. A nossa comida, de segunda a sábado, era feijão com farinha. O feijão, cheio de gorgulho, feito com água, sal e uma colher de óleo dentro da panela. Aos domingos, tínhamos arroz e carne, mas apenas para enganar de tão pouco. Eu tinha, nessa época, um par de chinelos, uma camisa e uma calça. Minha mãe lavava tudo de noite para eu vestir no outro dia. Tentando melhorar a nossa situação, comecei a trabalhar como ajudante de sapateiro, depois de pedreiro e mais adiante de ferreiro. Não ficava com nenhum dinheiro, tudo era dado à minha mãe para as despesas da casa. Não me importava comigo, só com a situação dos meus pais. Um dia de manhãzinha, acordei e vi a minha mãe rezando com os olhos cheios d’água. Eu cheguei bem perto dela, peguei suas mãos, dei um beijo na face dela e perguntei o que estava acontecendo. Por que ela estava chorando. Ela respondeu que havia caído um cisco nos olhos dela, só isso, que não era choro coisa alguma. Então eu disse: mãezinha, aqui em casa tem muito cisco, porque quase todos os dias eu a vejo chorar baixinho, o que está acontecendo, de verdade¿ Foi quando ela me disse que chorava de tristeza por conta de nossa situação. Que dava dó de não ter, às vezes, o que oferecer para nós. Nessa época, nós morávamos numa casinha de palha, na Rua Lucídio Freitas, no Bairro Mafuá. Era uma casa de aluguel. Às vezes o meu pai não podia pagar os 60 reais do aluguel. Ai minha mãe corria na casa dos amigos pedir emprestado para pagar com a venda dos chapéus de palha. Ela tinha muita vergonha do dono da casa chegar e não ter o dinheiro do aluguel para pagar. Ainda bem que era muito conceituada no bairro e todos tinham o maior respeito por ela. Não me lembro do nome de duas funcionárias públicas que sempre ajudava a minha mãe nessas horas de aperreio. Eram elas as salvadoras da nossa casa. Estavam sempre dispostas a nos ajudar. Como eu tive que trabalhar muito cedo e, também, porque eu nunca gostei de estudar em escolas, fiquei apenas no terceiro ano primário. Mas gostava muito de ler, de assistir aos filmes, de perguntar sobre todos os assuntos, principalmente os que diziam respeito à mitologia, aos magos, aos cavaleiros, aos reis, rainhas e princesas. Aos 15 anos, eu falei para a minha mãe que um dia eu iria ser muito rico e que iria construir um castelo para nós vivermos nele. E que ela seria coberta de joias, da cabeça aos pés. Por coincidência ou não, ao sair do quarto da minha mãe, eu vi a minha irmã Osmarina lendo, na revista O Cruzeiro, a história de uma moça que, decepcionada com o namoro, mandou construir uma torre e nela passou a viver, sozinha, até morrer. Eu disse para a minha irmã: olha, mana, como essa história se parece comigo. Eu também vou morrer sozinho, porque eu não vou me casar e nem ter filhos. Então, um dia, se Deus quiser, eu vou construir uma torre para morar nela, sozinho, até morrer. Minha irmã achou graça, fechou a revista, pegou a minha cabeça, colocou-a no colo e passou a fazer carinho em mim. Aos 17 anos aconteceu um fenômeno que mudou toda a minha vida. Eu estava deitado na minha cama, em casa, quando uma voz começou a dizer que eu deveria deixar a minha família e ir para o Rio de Janeiro, onde iria ganhar muito dinheiro e com esse dinheiro construir o castelo dos meus sonhos. Apesar de eu não ter estudos escolares, sempre fui muito esperto, muito vivo. Então, passei a pensar na ideia de buscar um lugar maior para, realmente, poder ganhar muito dinheiro e poder realizar o sonho de construir o meu castelo. Ainda mais agora que eu havia sido estimulado pelo próprio Criador. Nessa época, tomei conhecimento que o governador do Rio Grande do Sul, Dr. Leonel de Moura Brizola estava em Teresina. Participava de uma reunião com outros governadores. Corri ao Palácio de Karnak. Queria falar com ele para pedir uma passagem para o Rio de Janeiro. O Rio de janeiro ficava no sul do país. Eu pensava que o Dr. Leonel de Moura Brizola, como governador do Rio Grande do Sul, mandava lá também. Então, nada mais natural que ele me ajudasse a ir para o Rio de Janeiro. Com esses pensamentos na cabeça, consegui furar o cerco dos seguranças e me aproximar dele. Quando eu ai falar, um segurança puxou o meu braço. Ele viu a cena e disse para me soltarem. Com aquele voz vibrante dele, ele disse: “Fala piauiense! O que te traz a mim¿ Em que posso ajuda-lo¿”. Eu disse: Quero uma passagem para ir ao Rio de Janeiro. Preciso arranjar um emprego para ajudar os meus pais. Eu contei, ali mesmo, a minha história toda. Ele tirou uma caneta e um papel do paletó, escreveu uma coisa ali e me deu dizendo para entregar o bilhete dele ao chefe do aeroporto, que eu teria a minha passagem. Sai dali e fui ao cinema, na Praça Pedro II. Estava passando “Meus Amores no Rio”, um filme de 1958, coprodução entre Brasil e Argentina, de comédia e romance, dirigido por Carlos Hugo Christensen, roteirizado pelo diretor Pedro Bloch, música de Severino Araújo. Tratava da história de uma garota argentina, ganhadora de um prêmio, em um programa de perguntas e respostas, que viajava ao Rio de Janeiro, onde, embalada por paisagens e músicas, vive romances, com três tipos diferentes, um aviador, um playboy e um jornalista. Achei o filme o máximo. Quando sai, estava mais do que decidido que iria mesmo para o Rio de Janeiro. No outro dia, fui ao aeroporto. Entreguei o bilhete do governador Leonel de Moura Brizola a um senhor, que me recebeu muito bem e disse que em uma semana eu poderia viajar. Voltei para o meu trabalho, pedi as contas e fui para casa. Quando eu o meu pai chegou, eu dei a ele todas as minhas economias. Uns 450 reais. Fiquei com apenas 1 real e 50 centavos. Era para comprar um prato de sopa quando chegasse ao Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro - Tinha 18 anos de idade, quando eu cheguei ao Rio de Janeiro. Desci do avião no Galeão. Fiquei assustado com a enormidade daquilo. Perguntei onde era o centro. Disseram que era muito longe e que eu devia tomar um carro, porque a pé iria andar muito. Num ponto de táxi, eu vi cinco, seis pessoas entrando no carro. Tomei coragem e entrei num deles. Disse que queria ficar no centro do Rio de Janeiro. Em determinando momento, só restavam eu e mais um passageiro no carro. Mesmo com receio de levar uma surra, disse ao motorista que o dinheiro que eu tinha era apenas 1 real e 50 centavos para eu tomar um prato de sopa. Tinha chegado do Piauí e não tinha comido nada ainda. Não tinha onde me hospedar. E que estava nas mãos dele. O homem apenas disse: “Pau de arara, homem de Deus, o que você veio fazer aqui, numa situação dessa¿ Não se preocupe que eu vou ajudá-lo. Não posso leva-lo para casa porque eu estou recém casado de novo e moro uma quitinete que mal para dar para a minha família. Vou deixá-lo numa pensão de uma amiga, na Cinelândia, até as coisas melhorarem para você”. Na porta da pensão, na Rua Benjamin Constant, saindo na Rua da Glória, cortando a Rua do Catete, ele parou, desceu do carro e começou a pedir dinheiro para os passantes, contando a minha história. Era de tardezinha, seis horas mais ou menos. Certo é que começou a cair dinheiro em minhas mãos. Ao final contei quase 90 reais. O homem se despediu de mim e eu fique ali achando que ele era um anjo enviado por Deus para me ajudar. Na pensão, fui muito bem tratado. Passei a trabalhar em tudo que aparecia. Fui ajudante de pedreiro, pintor de parede, garçom. Trabalhei, ainda, na rede do Supermercado Disco. No começo, era uma redezinha, pequena, mas, depois, se expandiu parecida com o nosso Supermercado Carvalho, que já alcança quase todo o Piauí e outras cidades de Estados vizinhos. Comecei a ganhar uns trocadinhos a mais, e me mudei para uma casa na Rua Bento Lisboa com a Rua do Catete, na Praia do Flamengo. Eu só pensava em crescer. Para tanto, precisava morar num lugar melhor e conhecer gente que pudesse me levar para cima. Em poucos dias eu fiz amizade com o senhor Luís Bacarini, da família Bacarini, de Minas Gerais. Uma família muito rica, tradicional e poderosa. Ele era diretor da Agência Nacional de Notícias. Levou-me lá e me apresentou ao presidente da empresa. Contou a minha história e pediu que eu fosse aceito lá. O presidente quando soube que eu tinha vindo para o Rio de Janeiro com passagem dada pelo Dr. Leonel de Moura Brizola, perguntou: “Você falou com o homem mesmo, pau da arara, numa boa¿”. Eu disse: Sim senhor, numa boa”. Ele me encarou e disse: “Você é uma pessoa de bem e sendo recomendado pelo Brizola terá todo o nosso apoio, está empregado”. Na Agência Nacional de Notícias eu comecei limpando a garagem, os carros as motos. Com o passar do tempo, fui chamado para trabalhar dentro da repartição, como ascensorista. Eu passei a descer e a subir elevador o dia todo ajudando as pessoas a chegarem às suas salas. Depois de algum tempo, o Dr. Bacarini me levou para trabalhar no gabinete dele. Estranhei, porque ele tinha pessoas mais preparadas para levar para lá, mas ele disse que precisava de alguém de confiança perto dele. Ademais, acrescentou, eu era muito simpático, muito querido, e isso iria facilitar muito as ações dele na repartição. O Dr. Bacarini gostava tanto de mim, tinha tanta confiança em mim, que me levou várias vezes para as fazendas dele em Minas Gerais. Eu era tratado como membro da família. Eu fiquei nesta função uns oito meses apenas, porque veio aquela confusão toda no Brasil, com a saída do presidente João Goulart e a entrada do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Uma das primeiras medidas do marechal foi tirar todo mundo do emprego que não tivesse entrado por concurso. Eu, que havia entrado pela janela mesmo, com apoio do Brizola, que era cunhado do presidente João Goulart, tive que sair da Agência Nacional de Notícias. Na hora, eu entrei em pânico. Eu já estava acostumado a trabalhar no maneira e só pensava em voltar a trabalhar no pesado. Como bom católico, crente em Deus, acima de tudo, comecei a rezar pedindo uma luz, que me iluminasse um caminho melhor.
Vendedor de baralho - Eu estava nesta situação quando eu conheci o senhor Cabral que, sabendo de minha história de bom filho, de bom irmão, de bom amigo, disse que ia me ajudar. Levou-me a um amigo dele, o senhor Guilherme, que vendia baralho reformado numa empresinha formada por ele, sua mulher Maria do Socorro e dois filhos. O senhor Guilherme tinha uma boa freguesia dentro do Rio de Janeiro. Vendia baralho para todos os clubes chiques, como o Sírio Libanês, Monte Líbano, Iate Clube, Jóquei Clube, dentre outros. Todos os altos clubes eram fregueses dele. Ele me ofereceu casa, comida e meio salário. Aceitei na hora porque sabia que trabalhando muito e honestamente iria crescer e ganhar mais. Comecei a aprender tudo de baralho. A reforma era manual. O trabalho começava cedo da manhã e terminava tarde da noite. Eu cheguei a dormir apenas uma ou duas horas por dia. Mas, como eu era novo, aguentava o tronco. Quando eu conhecia todos os macetes do baralho, passei a vende-los para a granfinada toda do Rio de Janeiro. Eu tinha que atender muita gente, porque o jogo corria solto todas as noites na casa desse pessoal. Logo fiz amizade com o general Amauri Kruel. Quando ele vinha de São Paulo para o Rio de Janeiro, já mandava me avisar para levar baralho para ele. O general Amauri Kruel era muito educado, atencioso, generoso, mão aberta mesmo. Com ele me protegendo, fiquei mais aliviado. Escapei de várias situações por intervenção dele. Depois, uma outra pessoa que muito me deu a mão foi a Hebe Camargo, que também gostava de jogar baralho como ninguém. Fiz amizade também com Petrônio Portella. Este, quando soube que eu tinha vindo do Piauí, procurou me ajudar em tudo. Como logo ele se tornou um político de grande influência, ser amigo dele era ter passagem garantida para qualquer lugar. O certo é que passei a ser um dos maiores vendedores do senhor Guilherme, que passou a me tratar de maneira diferenciada. Isso não foi bom, porque eu passei a ser perseguido pela mulher dele, dona Maria do Socorro. Eu era conhecido como amiguinho, por ser baixinho e muito dado com as pessoas. O telefone tocava muito e todos só queriam ser atendidos por mim. Eu passei a ganhar mais por conta das comissões e também com os agrados que eu recebia dos meus clientes. A dona Maria do Socorro começou a colocar na cabeça do senhor Guilherme que, assim, logo eu poderia crescer muito e tomar o negócio dele. Um dia, sem o conhecimento do senhor Guilherme, ela mandou um amigo dele armar uma armadilha para mim. Esse senhor chegou propondo que eu passasse a perna no senhor Guilherme, oferecendo mil vantagens. Eu disse, na hora: Faço isso não. Quando eu estava no maior desespero, foi o senhor Guilherme quem me deu casa, comida e emprego. Por nada no mundo eu posso passar a perna nele, fechar os olhos para a bondade que ele me fez. Não posso trair a confiança dele. Muito obrigado, senhor”. Ao saber disso, o senhor Guilherme me veio falar comigo, agradecendo a minha fidelidade a ele. Mas, eu não gostei. Fiquei ruminando aquilo até que um dia conheci o senhor Antônio Augusto Pavel, que me apresentou a uma pessoa que vendia uísque e cigarro em grande quantidade. O escritório dele era numa cobertura, na avenida Princesa Isabel, saindo de Botafogo, passando pelo túnel de Copacabana. Depois das conversações, ele apenas me disse: “Só peço uma coisa, se você for pego, assuma tudo como seu. Você nunca dirá que me conhece.” Sai de lá e fui direto ter uma conversa com o senhor Guilherme. Eu disse a ele da minha intenção de entrar no negócio de vender uísque e cigarro, mas que queria ficar também vendendo baralho. Como eu já tinha uma boa economia, propus sociedade a ele. Disse, além, que não ficaria no Rio de Janeiro. Eu iria para São Paulo e lá abriria firma. Como viu que eu estava determinado, o senhor Guilherme aceitou a proposta e recomendou que eu procurasse um irmão dele, em São Paulo, que seria o seu representante nos negócios. Eu morei no Rio de Janeiro por seis anos e seis meses.
Em São Paulo - Com uns 20 mil reais que eu tinha e caixa, com mais a parte do senhor Guilherme, eu abri, em São Paulo, abri a empresa Valete Azul, firma com 12 funcionários, que vendia baralho, uísque e cigarro. A reforma do baralho passou a ser feita em máquinas, o que aumentava ainda mais a produção. Além dos cassinos, passei a comprar baralhos na Copag, uma das empresas pioneiras na fabricação de baralho no Brasil. Ela foi fundada em 1908 na cidade de São Paulo pelo gráfico Albino Gonçalves sob o nome de Companhia Paulista de Papéis e Artes Gráficas. Na Copag, eu comprava baralhos novos em grande quantidade. Eu cheguei a comprar 8% (oito por cento) de toda a produção da Copag. Dessa forma, eu podia vender baralho a um bom preço. Passei a vender, em média, para cada casa de jogo ou mesmo para os figurões, uma grosa de baralho. Uma caixa tem 12 baralhos. Uma grosa representa 12 caixas, o que dá 144 baralhos. De São Paulo, comecei a vender para o país todo, menos pra o Rio de Janeiro, onde o senhor Guilherme abastecia a praça. A freguesia só aumentava. E o capital da empresa também. Foi ai, porém, que eu comecei a fumar e logo estava viciado. Fumo até hoje, numa média de cinco carteiras por dia. Já tenho nicotina no sangue. Comecei a fumar cigarro da marca True, bonito, comprido, tinha um filtro grande, aromoso, uma delícia. Tem um detalhe: eu não trago. Eu passei a vender baralho, cigarro e uísque para políticos, empresários, embaixadores, ministros, magistrados, presidentes de países e até mesmo para reis, quando nos visitavam. O primeiro rei que eu atendi foi num hotel luxuoso, em São Paulo. Era só para fazer a entrega. Mas, eu fiquei desesperado para falar com o rei. Ameacei, inclusive, de não fazer a entrega se eu não pudesse ser apresentado a ele. Como eu era um bom vendedor e todos sabiam a minha adoração por castelo, por história de reis, rainhas, princesas, foram consulta-lo. Ora, ele mandou que eu entrasse na suíte dele, cheio de seguranças. Ele gostou de saber que eu era louco por castelo. Desejou que um dia eu tivesse o meu próprio castelo. Depois, por ordem dele, o auxiliar que traduzia tudo me entregou um monte de dólares. Eu nem me preocupei com o dinheiro. Eu estava parado era no rei. Um rei de verdade. Um dos meus sonhos tinha se realizado.
Compra do Sítio São Bento - Estou nessa vida, quando em1984, mais ou menos, recebo uma carta de minha irmã Maria de Lourdes manifestando desejo de comprar umas terras para criar gado e viver em paz no campo. Eu mandei dinheiro e ela comprou 300 hectares de terras no município de Altos. Trata-se do Sítio São Bento. A minha irmã Maria de Lourdes é casada com Francisco das Chagas Marques, funcionário desde 1972 da Assembleia Legislativa. São pais de Rosimere (comerciante), Marcos Roberto (funcionário da Imobiliária Halca), Marcelo (técnico de som para conjuntos musicais), Rogéria (enfermeira do Hospital de Urgência de Teresina – HUT, da Prefeitura de Teresina) e Francisco Filho (cortador de cana num canavial em São Miguel dos Tapuias). Ambos, sem os filhos, passaram a morar no Sítio São Bento.
Plano Collor - Tudo estava indo muito bem, mas, um dia, o que era doce virou amargo de se tragar. Entrou na presidência da República o jovem Collor de Mello, eleito prometendo mundos e fundos para os brasileiros. E deu no que deu. Fez aquele plano do confisco e eu, como milhares de brasileiros, me dei mal. O Collor de Mello foi pior do que uma guerra, porque numa guerra a gente já sabe que tudo vai para o espaço. Então, a gente se prepara, pega o que tem e vai viver noutro lugar. Com o Collor de Mello não, ele tomou o nosso dinheiro acumulado, guardando lá na poupança! Eu parei e pensei: o que é que adiantou eu ter trabalhado tanto, economizado tanto e ter perdido tudo de noite para o dia! Orientado por uns amigos, contratei um advogado, que era sobrinho de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e que estava conseguindo liberar todo o dinheiro confiscado. Enquanto a batalha jurídica se desenvolvia, resolvi vir a Teresina passar uma temporada com a minha família. Peguei um avião e vim para Teresina, onde passei quinze dias. Nesse ínterim, minha irmã foi mostrar as terras que eu comprei para ela. Cerca de 2 km da casa dela, para o lado direito, eu avistei um morro que me lembrou o dos meus sonhos quando eu tinha sete anos de idade. Eu subi nele e quando estava em cima dele umas nuvens se abriram e comecei a ouvir uma voz saindo de dentro delas. Era assim como nas trovoadas. Uma voz grossa dizendo que era ali que eu iria construir o meu castelo. Eu fiquei de joelhos e passei a rezar, pedindo que aquele sonho se realizasse. Mas não era sonho porque eu estava acordado. Contudo, era uma coisa diferente, porque não havia mais ninguém na minha frente e era como se eu estivesse flutuando. Procurei a minha irmã Maria de Lourdes e não a vi. Não havia nenhum dos rapazes que me acompanhava. E a voz de trovão ecoando na minha cabeça. De repente, as nuvens se fecharam e a voz parou. Eu vi minha irmã Maria de Lourdes e os rapazes e perguntei o que tinha acontecido. Disseram-me que eu havia desmaiado e que fiquei assim por vários minutos. Mas, não viram e nem ouviram nada de anormal. Eu contei para eles o que tinha acontecido e fomos para casa rezar. Na reza, eu pedia para ser vitorioso na justiça, pois, com o dinheiro que iria receber, daria início imediatamente à construção do castelo. Quando retornei a São Paulo, logo recebi a notícia que havia ganho a causa no Supremo Tribunal Federal. Marchei para cá e dei início às obras. Fiquei empolgado. Botei trator, contratei 46 homens e mandei passar cerca por toda a propriedade. Imaginem a quantidade de bolas de arame farpado, de madeiras, de óleo, de comida, de diárias, de tudo! Eram caminhões e trabalhadores subindo e descendo a toda hora. Tudo foi sendo feito conforme o plano traçado.
A primeira parte da construção foi o portão de entrada, que tem 7 metros de altura e 21 metros de largura. O estilo adotado foi o clássico romano. Ele é guarnecido por dois leões babilônicos, que têm rosto de gente, sendo, inclusive, barbados, possuem asas, e contam com cinco pernas. Nas laterais, em cima, coloquei dois jarros gregos e, no meio, a estátua da deusa Diana, que escolhi para ser a guardiã do castelo. Deu uma ventania muito forte e ela caiu, mas logo mandarei fazer outra para colocar no lugar. Logo adiante, à direita de quem entra, há um lago. Ele será ampliado. Irei colocar a estátua de Narciso vendo o seu reflexo na água, enquanto algumas ninfas tocam harpas. Será usado para pic-nic. Gostaria muito que as pessoas retornassem à tradição de fazer pic-nic. E este lago, com a sua magia, irá provocar isso. Do portão de entrada para a subida propriamente do castelo há uma distância de 1 km.
Em Roma, Diana era a deusa da lua e da caça, mais conhecida como deusa pura, filha de Júpiter e de Latona, e irmã gêmea de Febo. Era muito ciosa de sua virgindade. Na mais famosa de suas aventuras, transformou em um cervo o caçador
Acteão, que a viu nua durante o banho. Indiferente ao amor e caçadora infatigável, Diana era cultuada em templos rústicos nas florestas, onde os caçadores lhe ofereciam sacrifícios. Na mitologia romana, Diana era deusa dos animais selvagens e da caça, bem como dos animais domésticos. Filha de Júpiter e Latona, irmã gêmea de Apolo, obteve do pai permissão para não se casar e se manter sempre casta. Júpiter forneceu-lhe um séquito de sessenta oceânidas e vinte ninfas que, como ela, renunciaram ao casamento. Diana foi cedo identificada com a deusa grega
Ártemis e depois absorveu a identificação de Artemis com Selene (Lua) e Hécate (ou Trívia), de que derivou a caracterização triformis dea ("deusa de três formas"), usada às vezes na literatura latina. O mais famoso de seus santuários ficava no bosque junto ao lago Nemi, perto de Arícia. Pela tradição, o sacerdote devia ser um escravo fugitivo que matasse o antecessor em combate. Em Roma, seu templo mais importante localizava-se no monte Aventino e teria sido construído pelo rei
Servius Tulius no século VI a. C. Festejavam-na nos idos (dia 13) de agosto. Na arte romana, era em geral representada como caçadora, com arco e aljava, acompanhada de um cão ou cervo.
Seguindo em frente, no meio do caminho, um fosso, que terá uma ponte levadiça. Quando chove aqui, as águas descem de vários morros e se perdem na vastidão das terras. Então, a ideia é fazer uma represa para ter água no fosso, que circundará o castelo, o tempo todo. De cima, comandarei quem sobe ou desce o castelo.
No fosso, vai ter uma réplica da estátua do Colosso de Rodes -uma
estátua de
Hélios,
deus (Mitologia
romana do
sol), construída entre
292 a.C. e
280 a.C. pelo
escultor Carés de
Lindos. A estátua tinha trinta metros de altura, 70 toneladas e era feita de
bronze. Tornou-se uma das
sete maravilhas do mundo antigo. Já que o colosso tinha um pé apoiado em cada
margem do
canal que dava acesso ao
porto, qualquer
embarcação que chegasse à
ilha grega de
Rodes, no
Egeu, por volta de 280 a. C. passaria obrigatoriamente sob as pernas da estátua de Hélios, protetor do lugar. Com 30 metros de altura, toda de bronze e oca, a estátua começou a ser esculpida em 292 a.C. pelo escultor Carés, que a concluiu doze anos depois. Na mão direita da estátua havia um
farol que orientava as embarcações à noite. Era uma estátua tão imponente que um
homem de estatura normal não conseguiria abraçar seu
polegar. O povo de Rodes mandou construir o
monumento para comemorar a retirada das
tropas do
rei macedónio Demétrio, que promovera um longo cerco à ilha na tentativa de conquistá-la. Demétrio era filho do
general Antígono, que herdou de
Alexandre, uma parte do
império grego. O material utilizado na escultura foi obtido da fundição dos armamentos que os macedônios ali abandonaram. A estátua ficou em pé por apenas 55 anos, quando um
terremoto atirou-a para o fundo da baía de Rodes, onde ficou esquecida até à chegada dos
árabes, no
século VII, pois os habitantes de Rodes não o reconstruíram (isso se deveu ao fato de que eles visitaram um
oráculo próximo dali, e esse lhes recomendou não reconstruírem o colosso). Os árabes, então, venderam-na como sucata. Para ter-se uma ideia do volume do material, foram necessários novecentos
camelos para transportá-lo. Aquela estátua, considerada uma obra maravilhosa, levou Carés a suicidar-se logo após tê-la terminado, desgostoso com o pouco reconhecimento público. Mas, seja qualquer tipo de arte, o artista quase nunca é reconhecido em vida porque seus contemporâneos nutrem inveja e ciúmes do que idealiza. No caso do castelo, para que os visitantes entrem nele, terão que passar por debaixo das pernas da estátua, que poderá não ter 30 metros, mas será bem grande.
Passando o fosso, duas esfinges egípcias guardam o portão de entrada para a escadaria do castelo. E, então, começa a subida numa estrada toda pavimentada a pedra, como se fosse um calçamento de hoje. Ela começa larga, no início, é vai se afunilando. Fiz assim de propósito. Parece um rabo de pavão. Da ponte (levadiça) até o começo da escadaria, são, exatamente, 26 metros.
No meio da estrada, inicia-se a escadaria, guarnecida por dois dragões ingleses, de 2 metros e 20 centímetros de altura, pesando 700 quilos cada um.
Esta é a torre central, que terá 40 metros de altura. No último pavimento será o meu quarto real.
Aqui será a adega. Vou colocar uma laje em cima dela e construir uma torre com uma capelinha para Nossa Senhora de Lourdes, santa da devoção minha e da minha irmã Maria de Lourdes.
Esta é a minha piscina meia lua. Gosto de tomar banho aqui de cuia.
Este espaço será o meu jardim particular. Plantarei muitas flores chamadas Umbigo de Viúva. Dá acesso para a adega e também para a minha piscina meia lua.
Nesta parte edificarei três arcos, com 16 metros de altura, cada um. No centro, na parte de cima, haverá uma grande águia, de 2 metros e meio de uma asa para outra, e 1 metro e 60 de altura.
Aqui será um lago, de 5 metros de espessura, com 2 metros e meio de diâmetro. Haverá uma coluna, com quatro banquinhos e um soldado romano guarnecendo tudo.
Um dia, o senador Alberto Silva esteve aqui e me estimulou a fazer a maquete do castelo. Prometeu me ajudar, mas não deu tempo. Deus o chamou para construir no céu.
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O depoimento do senhor Ogier será transformado em livro, a ser lançado no Salão do Livro do Piauí, em junho, numa tenda de rei (com toda a corte), na Praça Pedro II. Fiquem de tocaia, que a história na acaba aqui (Kenard Kruel). leiam mais acessando
http://fredsoncastelobranco.blogspot.com/